quinta-feira, 12 de junho de 2008

Eu explico!

Início dos anos setenta. Noite. Dois rapazes saem do Cine Art Uff em plena Praia de Icaraí. O filme? A Hora do lobo, do Bergman.
Um deles confessa que não entendeu a cena do filme em que um dos personagens vê um menino com feições de um pequeno fauno emergindo da água.
Sem problemas. O outro explica.
(Difícil mesmo seria explicar o que dois garotos de dezoito, dezenove anos, razoavelmente saudáveis, faziam numa noite como aquela, em plena Praia de Icaraí, numa cidade reconhecida como tendo um dos maiores índices de garotas bonitas do Brasil, cuíca do mundo [um quiçá falado errado, velha piada sobre um prolixo político baiano], assistindo a um filme sombrio do Bergman.)
A explicação, longa e empolgada, parecia agradar e o sábio era estimulado a falar enquanto caminhavam.
Infelizmente, o cinema havia distribuído um pequeno folheto com uma entrevista do Bergman. Nele, o entrevistador pergunta sobre aquela cena específica do filme. O diretor diz rapidamente que não havia nenhuma razão especial. Era como a imagem de um sonho, talvez.
Perdeu, Bergman! Já estava explicado.
Não é possível reproduzir agora a explicação improvisada e nem a do diretor.
Talvez seja bom comentar a favor do explicador (ça va!) que ele confessou tudo alguns dias depois, quando eles se encontraram de novo. Do ponto de vista prático, não havia necessidade. O outro sequer havia se dado ao trabalho de pegar o folheto. Eles riem. O outro teve a gentileza de dizer que ainda assim preferia a explicação inventada.
O explicador carregou esta vergonha por mais de quarenta anos, juntamente com o cuidado de não tentar explicar mais nada e a aceitar com as mais generosas doses de boa vontade as eventuais explicações dos outros, mesmo sem acreditar muito.

Em memória de um amigo, recentemente falecido em um acidente de carro, o que sempre deixa a sensação de um evento trágico que poderia ter sido evitado. Uma das poucas pessoas que sabia estimular os outros a falar bobagens de adolescente durante horas seguidas sem que se percebesse nele qualquer sinal de enfado.

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