sábado, 20 de setembro de 2008

Às traças: Anthologia Nacional


Da Anthologia Nacional, de Fausto Barreto e Carlos de Laet (Rio de Janeiro, Francisco Alves & Cia., 7a. ed., 1915)

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José Bonifacio de Andrada e Silva (Bordéos, 1827-1886) é vulgarmente cognominado o Segundo ou o Moço, para differenciar-se do seu tio e homonymo, patriarca da nossa. independencia.. Estudou primeiramente a mathematica na antiga escola militar do Rio, depois o direito em S. Paulo, onde se formou. Foi provido n’uma cadeira juridica da faculdade do Recife, e, tendo encetado a sua carreira parlamentar na assembléa provincial de S. Paulo, em 1860, chegou a senador, e foi ministro de estado duas vezes, n’uma das quaes apenas sete dias. Depois recusou a presidencia do conselho.

Pelejou sempre nas fileiras do partido monarchico liberal, mas era o seu liberalismo avesso a todas as paixões demagogicas. Odiava o sangue e trajava a tunica alvissima. das mais generosas utopias.

Grandes foram os seus triumphos oratorios, pelo brilho da phrase e arrojo das imagens, nem lhe falleceram estas qualidades em muitas producções poeticas. De alguns de seus discursos fez-se interessante volume.

Contra o proteccionismo.

Não sejamos os ultimos a trilhar a senda dos progressos economicos e politicos. O systema protectar está condemnado, apezar da autoridade de Thiers, invocada pelo nobre deputado pela Bahia, e que não posso acceitar com o valor que S. Ex. lhe dá.

Tres são os principaes argumentos da escola proteccionista, posto que todos se possam reduzir a um só: independencia nacional, accrescimo de producção, diversidade de desenvolvimento.

Independencia! Ser independente do estrangeiro, exclamava um dos membros eminentes da liga contra as leis dos cereaes da Inglaterra, é o termo favorito da aristocracia. Pois bem, contemplemos este advogado infatigavel da independencia nacional. Seu cozinheiro é francez, e seu criado suisso. Resplandecem perolas nos ornatos de

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sua mulher, e, sobre a cabeça formosa, plumas de terra extranha. As carnes de sua mesa vêm da Belgica; e os vinhos, do Rheno ou do Rhodano. Pousam-lhe as vistas sobre flores vindas da America do Sul, e embriagam-lhe o olfato as folhas vindas da America do Norte. Seu cavallo favorito é d'origem arabe, o seu cão da raça dos de S. Bernardo. Enchem-lhe a galeria quadros flamengos e estatuas gregas. Se quer distrahir-se, ouve cantores italianos ou contempla dansarinas francezas. Seu espírito mesmo é um arremedo de contribuições cxoticas: a philosophia e a poesia vêm da Grecia e Homa, a geometria d'Alexandria, a arithmetica da Arahia, a religião da Palestina. Desde o seu berço afiou os seus dentes no coral do Oceano Indico e depois da morte ornamentará seu tumulo o marmore de Carrara. Oh! sejamos independentes!

(...)

O nobre deputado pela Bahia citou-me Thiers, que eu peço licença para não considerar autoridade na materia; eu cito-lhe lord Palmerston. São palavras eloquentes com que elle fechou um dos seus formosos discursos sobre as leis de cereaes. Poucas vezes a tribuna parlamentar as escutou tão bellas, e nenhuma por certo mais verdadeiras.

Por que se dividiu o globo em zonas e climas? Por que os diversos paizes produzem fructas differentes, quando as necessidades do homem são as mesmas? Por que as terras mais afastadas do mundo se põem em contacto por meio destes oceanos immensos, que pareciam destinados para desunil-as? Por que tudo isto, se não porque o homem depende do homem; se não para que a partilha da necessidade da vida acompanhasse a extensão e diffusão das luzes; se não para que a permuta, dos bens e das cousas

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fosse a troca dos sentimentos benevolos e das idéas elevadas; senão para que o commercio, levando em uma das mãos a civilização e na outra a paz, fizesse o genero humano mais feliz, mais sabio e melhor? Taes foram os decretos d'Aquelle que creou e ordenou o mundo, mas os legisladores da terra intervieram com a sua arrogancia e vaidade insensata, e, encadeando o desenvolvimento instructivo da natureza, substituiram leis desgraçadas ás leis eternas da Providencia!

(JOSÉ BONIFACIO, o Moço, discurso proferido na Câmara dos Deputados em 7 de junho de 1865.)

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