sábado, 29 de novembro de 2008

O teimoso

Ou estas:
O TEIMOSO

Bastos Tigre (Recife, 12 de março de 1882Rio de Janeiro, 1 de agosto de 1957)

"Como é teimoso o Fernando!
Com razão ou sem razão,
Teima o danado, e teimando,
Nunca muda de opinião.

Nasceu teimando, o teimoso,
E, teimando, há de morrer.
Nem por artes do tinhoso
Dá ele o braço a torcer.

Saiu, certa vez Fernando
A passeio com o Janjão.
O sol estava escaldando;
Era a força do verão.

A pé, três horas marcharam
Naquele infernal mormaço,
E os dois afinal, pararam,
Cheios de sede e cansaço.

-- Um pouco mais caminhemos --
Diz Fernando --, que ali perto,
Água bem fresca teremos
No oásis deste deserto.

E ele apontava com o dedo
Leve mancha esbranquiçada,
Junto de um denso arvoredo,
Além, na curva da estrada.

Mão em pala, ao longe olhando,
Diz Janjão: -- Água? Não creia...
Repare bem 'seu' Fernando,
Aquilo é uma boa areia!

-- É água! Fernando insiste.
-- É areia, repare bem.
E Janjão, de dedo em riste,
Aponta e insiste também.

-- É água, estou mais que certo!
-- Pois bem -- propõe o Janjão --,
Vamos olhar mais de perto,
Para ver se é areia ou não.

E puseram-se a caminho,
Marchando na estrada ardente.
(Já, da mancha bem pertinho,
Vê-se a areia, claramente).

Mas o Fernando ainda teima!
-- É água, é água, Janjão!
O amigo por fim se 'queima',
Dá o estrilo e com razão.

Com tanta teima irritado,
Sobre a areia se abaixando,
Janjão apanha um punhado
E atira-o sobre o Fernando.

Mas este, todo se encolhe
E grita, avançando a mão:
-- Estou suado, não me molhe,
Não me molhe 'seu' Janjão!"

(Bastos Tigre. Antologia poética, v. 1. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1982, p. 243-244.)

Nenhum comentário:

Onde me encontrar